A partir de hoje a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) vai ser dirigida por um triunvirato. Assim, teremos no comando da “coisa” o Presidente da República de Angola (João Lourenço), o Presidente do MPLA (João Lourenço) e o Titular do Poder Executivo (João Lourenço)…
Alguém na CPLP quer saber que no país que agora irá presidir à organização, 68% da população é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é das mais alta do mundo? Não, ninguém quer saber.
Alguém na CPLP quer saber que apenas 38% da população de Angola tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?
Alguém na CPLP quer saber que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade?
Alguém na CPLP quer saber que, em Angola, 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?
Alguém na CPLP quer saber que, em Angola, a taxa de analfabetos é bastante elevada, especialmente entre as mulheres, uma situação que é agravada pelo grande número de crianças e jovens que todos os anos ficam fora do sistema de ensino?
Alguém na CPLP quer saber que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica (fome), sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos?
Alguém na CPLP quer saber que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens é o método utilizado pelo regime anfolano para amordaçar os angolanos?
Alguém na CPLP quer saber que 80% do Produto Interno Bruto angolano é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua colónia de Cabinda?
Alguém na CPLP quer saber que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Não. O silêncio (ou cobardia) são de ouro para todos aqueles que existem para se servir e não para servir. E quando não têm justificação para tamanha cobardia, lá aparecem a inaugurar uma nova sede…
O moçambicano Tomaz Salomão, na altura em foi secretário executivo da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral), foi quem melhor definiu a realidade africana, definição essa que também se aplica à CPLP. Quando confrontado com a presença de muitos regimes ditatoriais disse: “São ditadores, mas pronto, paciência… são as pessoas que estão lá. E os critérios da liderança da organização não obrigam à realização de eleições democráticas”.
Admitimos que o Secretariado Executivo da CPLP esteja limitado nas suas funções porque tem de implementar as decisões da Conferência de Chefes de Estado e de Governo, do Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros e do Comité de Concertação Permanente. Se calhar é por isso que a CPLP não erra, ou erra pouco. De facto, nada melhor para não errar do que nada fazer.
Também não se percebe a razão pela qual a CPLP não age, apenas e quando calha reage. Não é por deixar de falar dos problemas que eles deixam de existir. Não nos recordamos, por exemplo, de ouvir a CPLP falar de Cabinda, embora saiba – pelo menos – que existe lá um problema. Tem preferido varrer o lixo para debaixo do tapete. No entanto, um dias destes, o tapete apodrece e o lixo volta a aparecer…
CPLP nas mãos de um presidente não eleito
Abril de 2010. O secretário executivo da CPLP elogiou em Luanda o tema que seria proposto por Angola para a sua presidência da CPLP, a partir de Julho desse ano, a “Solidariedade na Diversidade”, por ser um dos princípios basilares da comunidade.
Domingos Simões Pereira estava em Angola para encontros com as autoridades do país no âmbito dos trabalhos preparatórios da Cimeira de Chefes de Estado e de Governo dessa coisa que dá pelo nome de Comunidade de Países (também) de Língua Portuguesa, que teria lugar em Julho, em Luanda, marcando a transição da presidência de Portugal para Angola.
Simões Pereira reafirmou a “enorme expectativa que anima a preparação da próxima Cimeira”, tendo em conta que Angola irá assumir a presidência para os próximos dois anos. “Esperamos contar com a liderança das instituições angolanas no desenvolvimento dos programas e da agenda da CPLP”, disse.
Pois é. E Assim, a CPLP passou a ter (como volta hoje a ter) na presidência um país cujo presidente (o único da Lusofonia) não só não foi nominalmente e é, ao mesmo tempo, líder do partido no Poder vai para 46 anos (o MPLA) e Titular do Poder Executivo.
Portugal passou o testemunho da presidência da CPLP a Angola. CPLP que, segundo o então primeiro-ministro português, José Sócrates, desenvolveu nos últimos anos um grande esforço para “acentuar a coesão” entre os membros do bloco lusófono nas áreas da democracia, direitos humanos e reforço do estado de direito.
Democracia? Direitos humanos? Estado de direito? Será que José Sócrates sabia mesmo quais eram os estados que faziam parte da Comunidade de Países (também) de Língua Portuguesa?
Ou, sabendo-o, considerava que Angola, a Guiné-Bissau e até mesmo Moçambique (embora este noutra escala) eram exemplos de democracia, quando perto de70% dos angolanos viviam na miséria e votavam com a barriga?
“Se há matéria onde podemos concordar inteiramente é que ao longo dos últimos anos a CPLP fez um grande esforço para acentuar a coesão entre os estados-membros nas áreas da democracia, direitos humanos e no reforço do estado de direito”, destacou “ipsis verbis” José Sócrates, durante a sessão plenária da II Reunião da Assembleia Parlamentar do bloco lusófono (AP-CPLP), que decorreu no início de Março de 2010 em Lisboa.
Dirigindo-se às delegações dos países da CPLP, no parlamento português, José Sócrates salientou a “importância” e o “contributo” que a AP-CPLP deu para o reforço e coesão da CPLP, que é “absolutamente inestimável”.
Na altura, a Human Rights Watch no seu mais recente relatório revelou que Angola enfrentava problemas de desrespeito pelos direitos humanos, incluindo a falta de liberdade de expressão, a tortura e a violência. E assim continua.
É claro que José Sócrates não leu o relatório. Temeu, crê-se, que em matéria da liberdade de expressão a Human Rights Watch poderia também falar dos muitos jornalista que no reino lusitano foram, são e serão substituídos por operários formatados para terem apenas a liberdade de expressarem o que o chefe manda.
Mais de um ano após as eleições parlamentares de 2008 em Angola, as primeiras desde 1992, os angolanos não puderam ainda votar numa eleição presidencial. Ainda hoje não podem. O governo adiou a realização desta para quando tiver a certeza de quem vai ganhar.
A então nova Constituição de Angola foi fortemente influenciada (uma forma simpática de dizer determinada) pelo então presidente, José Eduardo dos Santos – e dominada pelo partido no Governo desde 1975, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).
Mas a verdade é que, apesar de não eleito, José Eduardo dos Santos foi o mais alto representante institucional da CPLP, recebendo o testemunho de um país que aguardava o resultado da Oferta Pública de Aquisição (OPA) levada a cabo sobre si por Angola.
OPA que, aliás, poderia ser (e foi) decisiva para a sobrevivência de Portugal. Ela foi bem sucedida e, por isso, não faltou dinheiro do petróleo e similares para ajudar a diminuir o défice português.